quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"A embriaguez é um direito humano fundamental"

A boca trêmula, as mãos nervosas escondidas nos bolsos da calça. A cara abatida, um pouco inchada, o olhar perdido. Eu tentava descobrir o que você poderia estar pensando, mas chegava sempre a mesma conclusão: nenhum pensamento passava por sua cabeça, você não estava mais ali.
- O que você vai fazer quando sair daqui?
- Não sei...
Os momentos de silêncio nos quais você observava alguma coisa muito interessante na parede, que só você podia ver, eram constantes.
- Vou beber, pinga com limão... e uma cerveja.
- De novo?
- É! Mentiram pra mim, disseram que eu ia ficar aqui só cinco dias, eu vou ficar pelo menos vinte e um.
- E pra se vingar você vai beber de novo? A sua vingança é fazer mal pra você mesmo? Muito inteligente.
O silêncio, de novo. Agora você observava uma família, que ria abraçada ao menino mirrado, ele estava ali pelo mesmo motivo que você. Nesse momento você, provavelmente, voltou à lucidez, deve ter pensado que já perdeu a confiança e a esperança de quem te ama, afinal, ninguém estava ali, além de mim. Alguém um pouco distante pra parecer se importar de verdade. Mas eu estava ali, e eu ainda acredito em você.
- Você deve ter um objetivo na vida, um sonho. Se você não tiver por você, tenha por seu filho, ele ainda vai precisar muito do seu apoio.
- Eu não me importo. Eu não me importo se morrer. Ela cuida dele.
- Você não sabe o que está falando.
- Aquele ali disse que tá aqui por bebida e maconha. Eu acho que é pedra. Mas sabe como é, rico só vem pra cá por depressão.
- E se você saísse daqui e fosse pra outro lugar, um pouco melhor que esse, pra ficar mais tempo.
- Perder meu tempo...
- Mais tempo do que você já perdeu?
Seu olhar fitou o chão, seus pés calçavam um chinelo de dedo surrado. Não parecia mais o mesmo de alguns anos atrás, não tinha porque parecer. O tempo e a maneira como você tinha ocupado o seu, tinham realmente te deixado diferente. Você não parecia feliz há muito tempo. Não era mais compreendido.
- Sabe, eu te entendo. O mundo parece girar mais rápido, tudo nos desvia de buscar ideiais pelos quais lutar. Nada tem sentido. É comum demais alguém tentar fugir da realidade assim. Eu te entendo.
Duas horas se passaram assim, entre diálogos e monólogos, durante os quais você preferia fitar o chão. Mas eu sabia que você ouvia bem.
- Bom, acho que vou embora.
Eu não te abraçava há tanto tempo.
- Pensa no que eu te falei. Pensa bem. Eu gosto muito de você.
O abraço, inicialmente tímido, ficou apertado.

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