quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Quando o inimigo é você

Acabei de chegar em casa, ia fazer um suco, mas vi algumas cervejas na geladeira. Abri uma pale ale e acendi um cigarro, apesar de ter parado de fumar há umas três semanas. Sabia que aqueles dois cigarros que eu tinha deixado sobre a mesa da sala iam ter serventia um dia. Penso numa história há dias e decidi que hoje iria escrevê-la, pelo simples fato de que escrever aqui me faz bem.

A primeira vez foi a mais ou menos seis meses. A sala de espera estava lotada e eu por muitas vezes me perguntei o que estava fazendo ali. Uma mulher loira, de uns 45 anos também aguardava. A ela faltava um pouco de pudor e talvez aprender a controlar o volume da voz, pois parecia querer contar a todos que já estivera ali antes e o que fazia. Quando ela entrou no consultório eu podia escutar sua voz do lado de fora, mesmo que a acústica do prédio parecesse boa. Ela ria e não parecia ser nada grave, apesar de transparecer todo o nervosismo na sua euforia. Talvez toda essa euforia escondesse seus problemas. Lembrei que um dia já fui eufórica e que agora preferia me calar a parecer uma ridícula. De uns tempos pra cá eu comecei a me importar demais com que os outros pudessem pensar sobre mim.

Quando chegou a minha vez, entrei no consultório e conheci meu psiquiatra. Ele parecia amigável, mas um pouco estranho. Gordo, com barba e estrábico. Eu realmente não sabia em qual olho fixar a atenção para conversar. Com toda objetividade e um pouco da timidez, comum a todas as pessoas que uma hora precisam expor tudo aquilo que lhe atormenta. Acho que ele percebeu e a primeira coisa que falou depois do meu relato, de que minha paranóia estava atrapalhando minha vida, foi que não apenas loucos procuravam psiquiatras. Eu não me senti aliviada, mas como se ele tivesse adivinhado que eu estava temendo a loucura. Não essa loucura saudável de deixar as amarras de lado e fazer coisas que qualquer conservador ou cristão iria condenar. Mas aquela loucura que nem camisa de força segura, mas quando o pior inimigo é você.

Sabe, é difícil perceber, e depois admitir, que todos os seus problemas são criados por você mesmo, quando tem medo do que as pessoas possam pensar de você, o julgamento que elas possam fazer de suas atitudes e, principalmente, no meu caso, o medo de que as pessoas tenham certeza da minha falta de capacidade, de me encaixar naquele grupinho do senso comum. Se existie um botão pro senso crítico o meu está desligado, para que a auto-crítica esteja lá no alto, no nível máximo que um ser humano possa chegar
Às vezes eu me condeno. Não! Eu sempre me condeno e me culpo por tudo e fico me massacrando psicológicamente pelas coisas que faço ou deixo de fazer e da avaliação que os outros possam estar fazendo disso.

Depois de falar tudo isso e mais um pouco, veio meu diagnóstico: transtorno de ansiedade social, ou fobia social. Eu tenho pavor da análise feita pelos outros sobre meu desempenho. Eu que sempre pensei que os outros deveriam ter medo de mim, me vejo acuada por qualquer cara feia, que pode ser motivada por uma prisão de ventre, uma briga com a esposa ou marido, ou simplesmente o mau humor. Eu sempre vou me achar culpada e ficar pensando o que foi que eu fiz praquela pessoa me achar um lixo e falar de mim para todo o resto do mundo, dizendo que eu sou um lixo humano, uma péssima jornalista. Também me culpo por não ser uma pessoa muito popular e engraçadona, daquelas que marcam presença e ninguém esquece. Eu sou praticamente invisível, uma farsa, uma pessoa que você conhece num dia e esquece no outro porque não tenho nada marcante, nem domino um assunto interessante pelo qual você vai me procurar para conversar por horas e horas até o dia amanhecer, tomando uma cerveja e acendendo cigarros um atrás do outro.

Saí de lá com uma receita e comecei a tomar dois dias depois. Não gostei do remédio... perdi a fome, a vontade de sexo e morria de sono o tempo inteiro. Oportunamente vi uma entrevista na Globo News sobre o uso indiscriminado de psicotrópicos. Eles citaram Torquato Neto...
"Quando nasci um anjo veio ler na minha mão

não era um anjo barroco, era um anjo muito solto

louco louco louco louco com asas de avião

e ele me disse e redisse consultando a minha mão

entre um sorriso de dentes

vai, bicho, desafinar o coro dos contentes!"

E disseram que o uso de medicamentos não é necessário em todos os casos. Todas as pessoas passam por fases de superação, durante as quais precisam enfrentar seus problemas. Eu fiquei convencida e abandonei o remédio. Por alguns bons meses me senti muito bem.
Até que comecei, de mansinho, a auto-sabotagem... quando me dei conta os malditos pensamentos já estavam instalados, tomando conta da minha vida sem que eu quisesse.
Sabe o que é pior? Saber que tudo está maravilhosamente bem na sua vida e que você não tem motivos para esses sentimentos, mas não consegue combatê-los, seja com reza brava ou tentando matar seu ego com budismo. Não dá! Ficar sentada comigo mesmo, contemplando as coisas sem julgá-las, dói demais quando você só consegue julgar a si mesmo e não vê uma saída com luz, praia, sol e uma mente legal que curte a vida sem se preocupar.
Não sei de onde veio essa preocupação excessiva, essa seriedade carrancuda e esse sentimento que me deixa corcunda de tanto me maltratar.

Só sei que há algumas semanas eu voltei ao mesmo consultório, onde só havia uma velhinha que perdeu a carteirinha da unimed e estava preocupada em esquecer o guarda-chuva, porque a memória dela já não a ajudava mais. Entrei na sala do médico e disse que continuava sentindo a mesma coisa e que queria outro remédio. Discuti um pouco sobre psicologia comportamental e sistemática e ouvi que sou uma pessoa com cultura e culta. Concordei com um sorriso amarelo, mas não quis dizer a ele que estava enganado, que eu era uma farsa e que isso era uma das coisas que mais me incomodava. Pra mim, todo mundo faz um julgamento da minha pessoa e eu posso ver pelos cantos seus risos e seus dedos me apontando, dizendo que eu sou um lixo de pessoa e de profissional, mas ninguém tem coragem de dizer isso na minha cara.
Eu sei, é bem egocêntrico pensar que ninguém tem nada mais importante ou interessante pra pensar ou fazer além de me julgar, mas é assim que eu vejo as coisas e é isso que eu quero mudar... só ainda não descobri como.

Pode ser uma questão química que com essas pílulas mágicas tudo vai se religar e funcionar normalmente, ou talvez chegue a hora em que eu precise enfrentar esse medo e, quem sabe, eu não consigo vencê-lo de vez e matar essas ideias insanas que nem camisa de força consegue deter.