sábado, 25 de outubro de 2008

Fungos

Eu andava desligada, sem concentração, não conseguia pensar. Juro! Estava tudo no automático, nada era analisado por um ângulo mas crítico. Nada me tocava, NADA me deixava nem alegre, nem triste. As coisas, fossem como fossem, não precisavam de interferência, estavam ali, uma relação unilateral entre o mundo e eu. Procurei ajuda especializada. Medicina alternativa. E vem o diagnóstico: fungos mentais. No primeiro momento imaginei meu cérebro tomado por fungos, eles eram verdes. Achei graça! Depois lembrei que quando fiz aquele exame que identifica alergias, a única mais grave era justamente fungo. Filhos da puta! Podiam me afetar em qualquer parte, sabendo que sou vulnerável a eles, mas poxa, justo no cérebro? Muita sacanagem. Já me imaginei com cogumelos saindo pelas orelhas. Nojento!
- Como assim, fungos mentais?
Ela - uma senhora simpática que adorou a blusa estilosa que eu usava, da minha mãe por acaso, e morreu de sono quando começou a conversar comigo, dizendo que não era cansaço dela, mas sim as minhas energias que ela estava absorvendo, todas negativas - riu.
- Não é como você está imaginando. São seus pensamentos, nada do plano material.
Meus pensamentos boloraram. Como aquele resto de lasanha de abobrinha que eu deixei uma semana na geladeira. Uma semana é muito tempo para uma lasanha de abobrinha. Mas qual é o prazo de validade para um pensamento?
Sabe, nunca tinha pensado nisso. Um pensamento novo. Quanto tempo ele irá durar sem ser tomado por fungos?
- E qual a cura?
- Parar de trazer esse pensamento do passado para o presente. Tudo, em seu devido lugar, se mantém conservado.
Fungos podem ser decompositores ou parasitas. Esses não eram decompositores, caso contrário, teriam matado os pensamentos. Como parasitas estavam tentando infectar tudo e roubar todas as minhas idéias. Quanta coisa boa eu perdi alimentando fungos.
Trabalho difícil acabar com eles. Mas meus pensamentos bolorados precisavam ser isolados. Pelo que entendi, com seu posto de lembranças longínqüas, eles não fazem mal nenhum. Os fungos não contaminariam o resto dos pensamentos presentes. Seria bem mais simples usar um fungicida, via oral, nasal, intravenoso, eu estava disposta a tudo. Mas fungos mentais não são tão simples. Desgraçados parasitas. Precisam de um trabalho intenso, policiamento contínuo. Me ocorreu então, que perdoar fosse o melhor remédio. Sem ressentimentos, com os fungos, e com o maldito pensamento que não me deixava em paz, mesmo que eu não soubesse que ele estava ali, eu poderia me curar.
O conhecimento da sua existência era o primeiro passo. Eles estavam ali, fungos entrelaçando aos meus pensamentos impedindo qualquer conexão entre meus neurônios. Não por acaso, tinha sonhos estranhos dos quais não me lembro nem a metade. Como uma coisa tão pequena pode fazer tamanho estrago?!
Foi então que perdoei. A descontaminação é lenta. Mas já sinto sinais de melhora. Já consigo enxergar melhor as pequenas coisas da vida que fazem sentido, rir, ficar triste e, pasmem, voltei a fazer piadas sem graça.

3 comentários:

Mayhara disse...

hahahahahaha. ótimo, lilialen. agora eu tenho mais uma coisa para alimentar os meus fungos: o medo deles mesmos. será que já não são vermes? vermes no cérebro? ou alienigenas, de uma polegada, com pernas de tisorinha cortando os fios e acoplando os seus usb na gente? isso tá virando um trash movie de quinta.
beijonhéco

Brescia Magalhães disse...

olha só, queria dizer nao, ha um tempo eu te leio quieta, sem comentários e tal, mas agora não deu. texto guru já é demais..
rum...
fungos...!

Brescia Magalhães disse...

nao, alyne!!
pois foi exatamente o contrário...
o que quis dizer é que eu adoro seus textos, e que nesse vc se superou...
foi praticamente um eureka pra mim.... rs
desculpa se ficou parecendo o contrário...!!!