sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

causa mortis

Em algumas conversas as pessoas acabam contando coisas da vida dela que, às vezes, você nem está muito interessado em saber, mas ouve, afinal, ela deve estar precisando falar. Sabe? Eu adoro essas conversas. Gosto de ouvir. Vez ou outra dou até uma opinião, mas nada muito relevante, que dirá genial. Na maioria das vezes, só escuto mesmo. Penso que, nesses casos, o que a pessoa mais precisa, é botar pra fora. Eu sou meio assim também.
Numa dessas conversas, em 2005, lembro bem, estava no gabinete da minha orientadora. A gente criou um vínculo muito forte e, como eu também era sua monitora, ela sempre desabafava comigo. Acho que fazia isso porque sabia que eu só ouviria, sem dizer o que ela devia ou não fazer e, principalmente, guardava tudo pra mim. Sei disso porque um dia ela disse que gostava de mim por eu ser uma pessoa discreta. Devo ser, de certo modo. Esse texto, porém, pode ser um atestado de indiscrição, já que vou relatar uma de nossas conversas.
Não sei como chegamos ao assunto, mas ela falava do seu pai. Disse que ele era uma pessoa muito correta, justa, mas que guardava muito suas opiniões, ouvia muito desaforo calado e, pra ela, isso originou o câncer no esôfago que acabou por matá-lo. Ela via o tumor como resultado do acúmulo de tudo que ele havia calado. Era ali o lugar onde todas as coisas não ditas foram guardadas e, com o passar dos anos, se transformaram naquilo que o levaria à morte. Ele não fumava.
Aquilo poderia ser insignificante para qualquer pessoa, mas não o foi pra mim. Naquele momento, eu descobri qual seria a causa da minha morte. Um câncer no esôfago. Sim! Onde todos os resíduos de palavras não ditas, estranguladas em meu peito, vão se acumular e, posteriormente, em uma mutação lenta e silenciosa, modificarão minhas células e se transformarão no meu tumor. É por isso que eu fumo e não terei câncer de pulmão. É por isso que eu bebo e não terei cirrose.
Não! Minha morte vai, ironicamente, nascer no meu esôfago. Porque eu sou assim. Considero-me uma pessoa sincera, mas, quando se trata de sapos, eu sempre os engulo. Já perdi as contas de quantos foram deslizando seus "dedinhos" gelados garganta abaixo e, embora tivessem lutado, acabaram engolidos e nunca arrotados.
Sabe qual o problema? Todas as coisas não ditas levam consigo rancor, mágoa, insegurança, medo, orgulho ferido. Nunca uma pitadinha de qualquer coisa boa. Esses resíduos amargos - posso até senti-los vez ou outra - é que irão se acumular, um a um, no meu esôfago. O caminho que leva ao centro das minhas emoções - que, como já falei anteriormente, fica no estômago - e que também poderia vomitá-las, será aquele que, um dia, há de me matar.

2 comentários:

Unknown disse...

Putaquepariu mulher! Que texto.
Eu acho que a minha é ataque cardíaco, no meio de uma crise de stress, depois de 285 cigarros e 2 litros de café. Porque os sapos... vez ou outra eu boto pra fora, seja do jeito que for.

mau disse...

Muito bom este texto amiga, cada dia melhor!!
adorei!!

Acho que minha morte será suicídio ou cancer no sangue.